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31 da Sarrafada

31 da Sarrafada

10
Mar11

Liga Europa: Bloco Central ou desfibrilador

Pedro Figueiredo
 
O meu primeiro pensamento foi fazer greve à Liga Europa. Por nenhuma razão em especial, apenas porque estava (e estou!) preguiçoso para escrever. Provavelmente, mais valia ficar-me pelo direito à greve, ainda que sem motivação justificativa. Até porque ando atrasado nas minhas leituras e ainda não acabei a edição 2000 do Expresso, prestes a fazer 15 dias. É a vida. E a minha greve até poderia servir de antevisão ao que depois de amanhã se vai passar na manifestação, com todo o crédito que a geração à rasca possa ter. Seria, no entanto, um mero oportunista.
 
Mas não seria o único.
 
 
Porém, houve algo na revista especial comemorativa da edição 2000 do Expresso que me chamou a atenção: os mega processos judiciais que marcaram estes 38 anos de vida do semanário. No fundo, todos eles faces ocultas de ajustes políticos (internos ou adversários) que servem, quase exclusivamente, para marcar uma vergonhosa agenda partidária de vinganças iniciadas por alguma caixa de pandora aberta em desespero de causa de alguém. Nem vale a pena citar os nomes dos processos, muito menos os visados, já que todos são do conhecimento público. A seguir foi o efeito bola de neve. Ou como diz o anúncio das batatas fritas Pringles: quando se faz pop, já não há stop!

 
O problema é que a justiça deixou-se instrumentalizar. Por culpa das fugas de informação. Sofreu com isso. Degradou ainda mais o que já tinha de pouco abonatório, pela demora nas apreciações dos processos: a sua imagem pública. Perdeu a justiça, ganhou a imprensa. Os portugueses dividiram-se ainda mais e parece-me que não é com divisões que se chega a algum lado. Mourinho, de Madrid, diria que mais do que animar a malta, o que é preciso é blindar o balneário, mas sabem lá os políticos o que isso significa.
 
 
Os tempos são outros, é certo, mas também a referida revista falava do Bloco Central promovido por Mário Soares e Mota Pinto (1983). Os tempos podiam ser outros, mas a crise não era tão grave como a actual. E desta vez não há escudo para desvalorizar. Esta semana foram mais mil milhões em dívida com juros a bater recorde . De que vale a procura ser maior que a oferta, se estamos a ser esfolados no mercado? É o próprio secretário de Estado do Tesouro que o diz: estes juros são insustentáveis. Como diria o nosso sarrafeiro de Setúbal: NO SHIT?!

 
Ao contrário do que já vi escrito em blogs e mesmo na imprensa, parece-me que a única situação viável (e já a curto prazo) é tão-só os únicos dois partidos do eixo da governação entenderem-se e fazerem um pacto de regime. Pensarem o país com perspectiva de futuro, ouvir quem têm de ouvir e fazer as reformas que se arrastam há anos. Sobretudo no próprio Estado, já que é ele o mais obeso (a despesa pública em 2009 representou 51% do PIB).
 
Parece aquele gordo a quem o médico diz que se não emagrecer terá certamente um AVC. Jura que vai fazer um esforço, mas chega ao restaurante e depois de comer uma feijoada e lambusar-se com um pudim abade de priscos, mete adoçante no café com um sorriso de vitória pela consciência das medidas restritivas que tomou.
 
 
Assim, mais vale arranjar um daqueles desfibriladores portáteis que há nos estádios de futebol. A qualquer momento, o país precisará de tratamento de choque.
 
03
Mar11

Liga Europa: Puxões e empurrões

Pedro Figueiredo
 
 
Não houve ninguém que não tivesse apelidado a ida de José Sócrates e Teixeira de Santos à Alemanha como um autêntico voo ao castigo. 
 
Onde estava desta vez Ana Gomes para se queixar de viagens aéreas com destino à tortura? Puxões de orelhas, avisou-se logo. Ainda o homem não tinha aterrado em Berlim e já as tinha quentes. Deve ter dado jeito, para o frio que deve fazer por lá. Espanta-me, por vezes, a linguagem demasiado taberneira para este tipo de situações. Nesta taberna, aceita-se. Não em restaurantes gourmet. Podemos estar, geograficamente falando, atirados para o canto da Europa, mas as orelhas de burro, para já, só encaixaram na cabeça dos gregos e dos irlandeses.
 
Continuo a achar que o homem está a fazer um esforço para que não sejamos os clientes seguintes. A azáfama é tanta que ao toque da corneta, lá foram (duvido que na low cost Air Berlin) mostrar os TPC's, nem que para isso tivesse sido preciso apressar os resultados do mês. Só espero que não tenham colocado a informação numa pen! Até isso já devem ter aprendido.
 
 
Pelos vistos, não houve puxão de orelhas (sabe-se lá o que fizeram nos 45 minutos que durou o encontro), mas o nosso Primeiro puxou dos galões dos 800 anos de história e da não subserviência. Por pouco não dizia que ainda a germânia era uma terra de bárbaros e de guerras tribais e nós já tínhamos as nossas fronteiras definidas. Não disse, mas imagino que pensou. Assim como os alemães também devem ter ficado com a ideia que os papéis, sarcasticamente, se inverteram. Para eles, somos nós agora os bárbaros, que andamos em constantes guerras tribais. Coincidências. Mas gostei da exaustiva repetição «O meu país..., o meu país..., o meu país...». Gostava que o tivesse dito com o punho fechado a bater no coração. Pinderiquices estéticas.
 
 
Dos puxões aos empurrões.
 
 
Não há outra explicação: há hospitais que empurram doentes para outros hospitais. O ping sem pong entre São Marcos (Braga) e São João (Porto) é lamentável, não tanto como a troca de acusações entre os respectivos conselhos de administração e direcções clínicas. Dá aquela triste ideia de se varrer a poeira para baixo da carpete, só que desta vez... para a do vizinho. Linguagem taberneira, eu sei. Para defesa da honra (que se lixem os doentes), a questão vai parar aos tribunais.  Um factor curioso nesta equação é que o hospital bracarense é gerido ao abrigo de uma PPP. Antes isso que um KKK. Digo eu.
 
24
Fev11

Liga Europa: O esforço do Zé e a pressão do Pedro

Pedro Figueiredo
 
Numa destas manhãs ouvi, na M80 (imagine-se), um daqueles apontamentos económico-políticos para básicos (como eu) lavrado por Camilo Lourenço. Disse, com uma semana de antecedência, aquilo que o presidente do Millennium BCP veio dizer e que é uma constatação óbvio: com estes juros da dívida, é mais fácil alimentar um burro a pão-de-ló! Com um financiamento externo destes, duvido até se a Cetelem ou a Mediatis não fariam um preço mais em conta a Teixeira dos Santos. Até lhes renovavam a frota de carros ministeriais outra vez, tipo surpresa num ovo kinder.
 
Publicidades à parte, o esforço do nosso Primeiro em retardar ao máximo a entrada dos bulldozers da finança mundial é meritório. É pena é ter sido preciso atiçarem o orgulho nacional - com o fantasma do FMI - para os merceeiros do Terreiro do Paço tirarem o lápis da orelha e fazerem as contas com mais atenção. Ainda falta saber se tamanha travadela, como lhe chamou o Expresso, foi à custa da despesa ou da receita, isto é, se temos ABS ou se com esta chuva que não passa, os travões de servo-freio não bloquearam as rodas e não estamos em pleno bailado para despiste.
 
Mas bom esforço na mesma, Zé. Parece-me é que esses autênticos bond road-shows que fez nos últimos tempos, a que o Expresso tão humoristicamente até comparou às milhas que poderia ter acumulado se tivesse cartão Victoria (TAP) - que já valia uma ida e volta a Nova Iorque à borla! -, mais não foram do que visitas de cortesia, boas para aprofundar as relações internacionais. A não ser que tenha implorado pela compra de títulos. Se assim for, so long Marianne!
 
Camilo Lourenço falou ainda no discurso arrumadinho do homem que quer ocupar o lugar de Primeiro. Demasiado arrumadinho, nas palavras do especialista. Tem percebido que o novo manda-chuva da São Caetano à Lapa tem tido margem de manobra para actuar, querendo vê-lo mexer-se quando a pressão começar a apertar. Que é como quem diz, quando o calor começar a fazer-se sentir na cozinha. E ainda segundo o Expresso, parece que o forno já está ligado. E a uma temperatura tão alta que não será difícil alguém sair queimado antes do prato ser servido aos portugueses. Não é preciso mandar calar ninguém, porque para isso já houve quem tivesse sugerido fechar a democracia por seis meses e deu-se mal. Basta, como diz a nossa querida sarrafeira Catarina Campos, mandar sossegar a franga dos militantes mais entusiasmados. É que a minha avó também tinha um ditado popular para estas ocasiões: cadela apressada, pare crias cegas e o Ensaio sobre a Cegueira já paga direitos de autor.

 

Imagem: "Burn Baby BurnAttributionNoncommercialNo Derivative Works Alguns Direitos Reservados por Abstract Gourmet

11
Fev11

Liga Europa: Os abutres

Pedro Figueiredo

 

Apenas 15 dias depois do day-after das presidenciais, começam a puxar para trás os lençóis da cama onde o governo se prepara para o repouso eterno. É certo que, para muitos, o executivo vai deitar-se no leito que preparou para si, mas não deixa de ser curioso perceber que os habituais tarólogos da política já deram o tiro de partida para o (im)paciente voo dos abutres.

 

Afinal, se o governo está morto, está na hora de se começar a debicar o cadáver. Digo debicar porque há quem considere que ainda não está na hora da refeição. Há que esperar o momento certo e não haver precipitações, até porque pode ser de Belém que venha a certidão de óbito, agora que o segundo mandato parece tudo legitimar.

 

Uma coisa é certa: o governo pode não ter morrido, mas virou, com toda a certeza, um daqueles sacos de areia em que os boxistas fazem o seu treino, aquilo a que vulgarmente o povo gosta de chamar de 'saco de pancada'. De tal forma, que até há quem, de dentro, aproveite para ajustar contas passadas, escudados pelo legítimo direito à diferença de opinião e liberdade de a expressar.

 

Agora, é o caminho mais fácil. Aliás, chegou a hora dos fracos sairem de cena de fininho para, na hora do funeral, poderem até alinhar na maledicência ao falecido bem como os oportunistas que, percebendo que terão de colocar na loja o letreiro do 'Volto Já', começam a encher o porquinho mealheiro para o tempo de vacas magras que se avizinham. Há até números que, oportunamente, aparecem nestas alturas libertando apenas comentários do género "Que grande novidade!" A minha dúvida é só esta: esta sondagem reflecte o momento ou um sentimento de leitura mais ampla?

 

O governo morreu, viva o governo! Porque como dizia a minha avó, atrás de mim virá quem de mim bom fará.

 

Imagem: "VultureAttributionNoncommercialShare Alike Some rights reserved by kahunapulej

03
Fev11

Liga Europa:O povo há-de castigá-los

Pedro Figueiredo

 

 

Aviso: este post é uma reciclagem do anterior com um pequeno up-grade!

 

Sinceramente, não sei se é por causa de uma certa vertigem do fim, mas a verdade é que certos membros do Governo estão a criar práticas muito estranhas para os hábitos da democracia portuguesa. Vamos directamente à novidade.

 

Então a ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, decidiu, por livre iniciativa ir à Comissão de Ética, Sociedade e Cultura explicar a integração dos teatros S. João e D. Maria II no Opart? A TSF adiantou mesmo que o pedido enviado pela ministra é mesmo uma medida inédita no país. Claro que tinha de ser inédita. Onde já se viu um ministro ir de livre e espontânea vontade prestar esclarecimentos ao parlamento?

 

Já não bastava os dois directores-gerais na Administração Interna terem pedido a demissão, tinha agora que vir a ministra da Cultura atirar mais lenha para a fogueira em que estão a ser queimados os velhos costumes da casa.

 

É o que dá convidarem independentes para o executivo.

 

Corrompem por completo as normais partidárias e furam esquemas que acabam por expor ao ridículo os companheiros de governo. Assim não dá. Aposto que na próximo Conselho de Ministros, Gabriela Canavilhas vai ficar de castigo a um canto da sala e a escrever 100 vezes no seu Magalhães para ser visto no vídeoprojector à frente do restante elenco ministerial (como o Bart Simpson no génerico da série): PROMETO NÃO VOLTAR A TOMAR A INICIATIVA DE IR PRESTAR ESCLARECIMENTOS AO PARLAMENTO. E proibida de usar o copy/paste!

 

Claro que tamanho sentido de Estado só podia ser aproveitado pela oposição. Como está referido na peça do primeiro link, o PCP aproveitou logo para pedir esclarecimentos em relação à demissão de Jorge Salavisa, precisamente da presidência do conselho de administração do Opart . Está a ver, Gabriela? Dá-se-lhes a mão e a rapaziada quer logo o braço. Que lhe sirva de lição. O sistema funciona de uma determinada maneira há tantos anos por alguma razão é. É que nem lhe valeu os votos contra do PS!

 

Por isso é que o povo há-de aplicar o respectivo castigo. E se não for por isso, há-de ser por outra razão qualquer. Ou não!

 

Imagem: "Broken HopeAttributionNoncommercialShare Alike Alguns Direitos Reservados por janhamlet

27
Jan11

Liga Europa: Não nos habituem mal

Pedro Figueiredo

 

 

Fiz quase uma espécie de juramento que não iria escrever sobre as presidenciais. Contudo, ontem aconteceu algo que não podia deixar passar, pelo simples facto de que pode ser perigoso habituar o povo às naturais consequências políticas quando alguma coisa corre mal. Assim, até dão a ideia que vivemos numa democracia madura e em perfeitas condições de funcionamento.

 

Reeleição do inquilino de Belém à parte, a verdade é que a trapalhada que se verificou com os cartões de cidadão no dia das eleições tem dado que falar. O assunto foi noticiado em larga escala (conseguiu colocar mesmo para segundo plano as declarações habituais dos protagonistas num dia em que muito pouco teriam a dizer - até ao encerramento das urnas, obviamente) e amplamente debatido nas redes sociais do costume.

 

 

Em circunstâncias normais, a decisão seria encarada como natural. O problema é que num país onde a culpa morre sempre solteira, desta vez não pode haver excepção à regra e mesmo com o pedido de demissão de Paulo Machado e Jorge Miguéis, o ministro ainda está a ponderar se neste caso a culpa muda de estado civil.

 

Compreendo a relutância de Rui Pereira. Afinal de contas, é um perigo para o 'normal' funcionamento da nossa imatura democracia, abrir tão grave precedente. Aceitar o duplo pedido de demissão seria reconhecer a culpa dos directores-gerais e isso, no futuro, sabe-se lá que caixa de Pandora poderia abrir.

 

Já não bastou o então ministro das Obras Públicas, Jorge Coelho, ter feito o mesmo na sequência da queda da ponte de Entre-os-Rios. O mais curioso - se chegaram a abrir o primeiro link - é que a mesma pessoa que exigiu agora o saída de Rui Pereira, se este tivesse vergonha na cara (acrescentou a mesma figura é bom que se relembre!), foi o mesmo que, tantos anos depois, veio manifestar a sua incompreensão pela demissão de Jorge Coelho, por ter tido, e passo a citar, uma «responsabilidade muito indirecta» no assunto.

 

Neste caso do cartão do cidadão, o Governo acabou por sofrer um choque tecnológico, ainda que de baixa voltagem. Afinal, com tamanha percentagem de abstenção, que mal tem uns eleitores (número indefinido e que não se saberá nunca ao certo) terem ficado sem a possibilidade de exercerem o seu voto? Da próxima corre melhor. É preciso é seguir em frente.

 

Porque quanto às demissões, veja lá senhor ministro, se passa um pano por cima disso - esse preto (do uso) que têm por aí, para estas ocasiões -, para não nos habituarem mal. Normal em Portugal é ninguém ter culpa de nada. Nem que para isso se tenha de mentir. Mas só depois de se ter bebido uns copos de água da Polícia Judiciária, claro!

 

 

 

20
Jan11

Liga Europa: Todos para Erasmus, já!

Pedro Figueiredo

 

 

Uma das coisas mais extraordinárias em Portugal é a quantidade de comentadores que aparecem em todos os meios de comunicação. Aliás, não é à toa que os programas de participação directa nas rádios e nas televisões têm tanto sucesso. Não há nenhum fórum em que não fiquem participantes de fora pelas próprias obrigações de emissão. Todos têm sempre alguma coisa a dizer. É bom. Somos feitos de uma massa crítica e, afinal, como se fartam de dizer os políticos num tom entre o cínico e o orgulhoso, foi essa uma das grandes conquistas de Abril. No entanto, parece-me que aqui se aplica bem o velho ditado popular de que 'em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão'.

 

Ninguém é um exagero. Alguém haverá de ter um fundo de verdade no que diz, até porque isto também não é um país de mentecaptos. Bem pelo contrário. Há gente de grande valor e arrisco-me a dizer que são a esmagadora maioria. Se assim não fosse, porque têm os portugueses tanto sucesso quando vão para o estrangeiro, nem que seja para desempenhar funções de empregados de limpeza. Nunca encarei o facto de os portugueses serem trabalhadores apreciados no estrangeiro como um mito urbano. Tirando raras excepções, porque as há em todo o lado, a verdade é que sempre ouvi reconhecer as qualidades profissionais dos portugueses lá fora, independentemente das funções que possam exercer, desde o mais simples humilde empregado da construção civil ao mais qualificado economista, como é caso de Horta Osório. Não creio que que os ingleses estejam de acordo em pagar-lhe um ordenado à Cristiano Ronaldo, só pelo seu ar de manequim da Hugo Boss.

 

Muitas das vezes, quando deixamos os nossos filhos em casa de amigos, desdobramo-nos em recomendações, ainda no carro, antes de os deixar em casa de estranhos, a principal para que se portem bem e para que não façam asneiras. No fundo, para que não nos deixem ficar mal. Fica-se sempre com o coração nas mãos. Sabe-se lá o que farão, já que em casa temos maneira de controlar a situação de outra forma. O espanto aparece quando os vamos buscar. Correu tudo lindamente e regressamos a casa com o orgulho de outros pais acharem que temos uns anjinhos em casa. Quem tem filhos pequenos, reconhece esta história.

 

Voltemos, pois, a saltar para a dimensão nacional. A questão que se coloca é simples: se somos assim tão bons, porque não o somos dentro de casa? Porque é precisamente dentro de casa que sentimos o à-vontade de sermos precisamente quem somos. Não precisamos de fingir que somos bem comportados e só quando temos um pai ou uma mãe de regras rígidas e inflexíveis a toda a linha é que percebemos que nem dentro de casa podemos vacilar. É por isso que não me espanta o facto de haver, ainda, quem tenha saudades da ditadura, onde nem dentro de casa havia hipótese de sermos quem somos. É talvez por isso que a saudade seja considerada um sentimento tão português. Pudera, lá fora não é a mesma coisa que cá dentro. É como se o nosso país representasse a eterna juventude, os tempos em que se podia fazer tudo e tudo era justificado pela tenra idade...

 

Não me parece viável pedir a governantes escandinavos que venham fazer uma perninha aqui ao Sul da Europa, porque a população continuaria a sentir-se em casa e os resultados não seriam os melhores. Também não pedimos aos pais de nenhum dos amigos dos nossos filhos que venham lá a casa ficar umas noites para tomar conta da criançada. Voltar à ditadura, então, está completamente fora de hipótese (agora digo eu, foi para isso que serviu o 25 de Abril!). Logo, a solução mesmo é colocarmos o povo a fazer um Erasmus de cidadania no estrangeiro. Tenho a certeza que a União Europeia concordaria, apoiando como um projecto de verdadeira integração. Para aprendermos a ser bons cidadãos lá fora. Porque isto de criticar só os governos também tem muito que se lhe diga. É que parece-me que a nossa classe política é apenas um reflexo do país que somos.

 

Imagem: "Dala HorseAttributionNoncommercialNo Derivative Works Alguns Direitos Reservados por testpatern

13
Jan11

Liga Europa: Vão sonhando, pá!

Pedro Figueiredo

 

 

 

 

 

 

 

Tudo começou aqui...


 

Bom, na verdade não foi bem aqui, já que o vídeo original do sem-abrigo norte-americano com a voz que encantou o Mundo já se deve ter perdido pelo TuTubo*.

 

Vi-o no dia em que a SIC Notícias passou o pequeno filme de cerca de dois minutos e a contabilidade foi verdadeiramente assombrosa. Se não repare-se: quando, à hora do almoço, vi pela primeira vez a notícia, a informação era que já tinha ultrapassado as 3 milhões de visualizações. Fui à Internet pouco depois e vi que já ia nas 3,5 milhões. No trabalho, ao final da tarde, mostrei a uns colegas e o contador já marcava 5,3 milhões. Ao final da noite, já em casa outra vez, voltei a ver e já ia nos 7,1 milhões. É esta a velocidade a que corre a informação nos dias de hoje. À conta disso, tal como o próprio Ted Williams desejou, choveram propostas de trabalho e, da noite para o dia, o homem deixou de ser sem-abrigo para passar a ser uma estrela, conhecido não só no seu país como no resto do Mundo.

 

Não consigo imaginar o mesmo a acontecer em Portugal. Aliás, provavelmente em mais lado nenhum aconteceria um episódio destes. Só mesmo nos Estados Unidos ou não fosse aquilo a Terra das Oportunidades. E dos sonhos. Há duas semanas, uma das personagens da política norte-americana a ser entrevistada no 60 Minutes foi o republicano John Boehner, o novo presidente da Câmara dos Representantes.

Basicamente, o homem que, agora, tem o poder de baralhar as contas de Barack Obama. No entanto, a imagem que passou para o público foi a de um pieguinhas, de lágrima fácil, que se emociona com a mesma rapidez com que Ted Williams passou de pedinte num cruzamento de auto-estrada à voz mais requisitada da América. Diz Boehner, sem lenço para se assoar, que quer continuar a fazer o povo acreditar no milagroso 'American Dream'

 

 

 

Não precisa de se esforçar muito. Ted Williams que o diga. Porém, imagino que se o homem com a preciosa voz se fizesse à estrada e andasse a bater de porta em porta à procura de trabalho, duvido que alguém estivesse minimamente interessado nos seus dotes vocais. Era o preconceito vestido com a nova roupa da moda, chamada crise. Mas os milhões de visualizações no TuTubo e o interesse da imprensa deram um empurrãozinho. Quem não gosta de uma boa história da Gata Borralheira? Então quando há verdadeiro talento envolvido, o argumento passa a ser hollywoodesco.

 

Este caso podia ser analisado dos mais variados pontos de vista, mas para mim só há um que interessa. Independentemente de se ter passado nos Estados Unidos e correndo o risco de ser considerado um lírico, a lição pode ser válida para todos, salvaguardando as respectivas dimensões: é preciso não deixar nunca de sonhar. Ou como diria JM Barrie na obra do Peter Pan, BASTA ACREDITAR.

 

Imagem: "Peter Pan" NoncommercialNo Derivative Works Alguns Direitos Reservados por toddwshaffer

06
Jan11

Liga Europa: Quem disse que (ainda) não há alternativa?

Pedro Figueiredo

 

É fácil sentirmo-nos perdidos nos tempos que correm. Por muitas certezas - e nunca podem ser assim tantas - que possamos ter em relação ao que queremos da vida, há sempre o factor aleatório a entrar na equação, no qual devemos incluir tudo aquilo cujo desfecho não está nas nossas mãos, apesar de nos afectar directa ou indirectamente.
Há um sentimento de injustiça a invadir as pessoas. Digo eu, pela quantidade de notícias que deviam fazer corar qualquer um com os níveis mínimos de dignidade e moral. Há quem as considere, simplesmente, estrume onde cresce a flor do humor, bem aproveitadas para a denuncia ser servida em moldes caricaturais. Sempre a houve e isso é saudável. Mas a verdade é que a real dimensão dessas notícias tem custos e a factura vai sempre parar às mesmas moradas.
Não vou aqui descrever os casos porque, para além da lista já ir demasiado extensa (e pelos vistos não vai parar tão cedo), o propósito deste texto não é esse. Portanto, conversa da treta de lado e vamos ao tópico revolucionário do dia. Curiosamente, apanhado de um pequeno apontamento do habitual espaço semanal de Nuno Rogeiro na revista Sábado, denominado Relatório Minoritário.
O título é giro e vai dar jeito mais à frente: "Despertares violentos"
Rogeiro escreve que a grande questão que tem agitado os "cientistas sociais" nos últimos dois anos é uma pergunta simples, mas com resposta complexa: porque é que, face à crise global do capitalismo (ou do capitalismo global) -  adorei o trocadilho! - não houve ainda revoluções nem revoltas internacionais em grande escala e consequências?
E passo a transcrever as conclusões pela delícia da terminologia:
"Pode dizer-se que o falhanço - às vezes sangrento - do socialismo (real ou imaginário) impede que este se erga como alternativa. Pode dizer-se que a existência de sistemas eleitorais livres, e tribunais independentes, e imprensa indiscreta e poderosa, retira motivos e apetites aos candidatos a revolucionários. Pode dizer-se que a colectivização das lideranças, ou a sua fragilidade, impede que haja fúrias concentradas num chefe absoluto, senhor dos triunfos e das desgraças. Pode dizer-se que, de séculos de barbárie, os povos se cansaram da morte: mesmo a Al-Qaeda, dez anos depois do 11 de Setembro, é uma marca em crise. Mas há atrocidades (e reguadas) que não se prevêem, nem anunciam"
No fundo, por mais descontente que possa andar o povo, a verdade é que parece não haver alternativa ao status quo em vigor ou ao sistema de pelo qual as sociedades modernas se regem. Como disse Churchill, a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos.
Pegando no título escolhido por Nuno Rogeiro e na parte final do seu texto, sabe-se lá quando haverá um despertar violento? Há reguadas que não se prevêem e não é preciso recuar muito no tempo para se perceber que a régua já deu sinais de vida.
Confesso-me totalmente contra qualquer tipo de violência. Detesto armas e acho que a força só faz perder a razão. Mas nem todos pensam como eu e acredito que haja muito boa gente arrependida do romantismo de Abril se ter manifestado com cravos nas pontas das G-3.
Yo no credo en brujas, pero que las hay, las hay!

 

 

30
Dez10

Liga Europa: Baía dos Porcos fiscal

Pedro Figueiredo


Às vezes há coisas que vejo e ouço que não acredito. Depois, custa-me a acreditar. Numa fase seguinte acredito, mas fico de boca aberta. A seguir fecho-a e abano a cabeça, lembrando-me que isto é Portugal. Pensamos muito frequentemente que já não podemos bater mais no fundo, mas esse é um sentimento perigoso pois há sempre alguma coisa a acontecer a seguir que faz parecer com que o poço não tem fim.
Aconteceu-me o mesmo há uns anos, quando a Polícia Judiciária teve acesso à lista de financiadores do CDS, na tentativa de perceberem quem tinha doado cerca de um milhão de euros para os quais havia facturas falsas. Um dos nomes que lá constava era um tal de Jacinto Leite Capelo Rego (tentem dizer o nome deste senhor com sotaque brasileiro. Pelo menos, era assim que a malta se ria nos meus tempos de liceu)!
Depois de ter passado por todas as fases que anteriormente referi, pensei: «Perdeu-se a vergonha!». No entanto, num esforço de memória, foi-me difícil encontrar exemplos em quem alguma vez a tivesse havido. E lembrei-me de José Gomes Ferreira: "Proibida a entrada a quem não andar espantado de existir".
Desta vez, fechamos o ano legislativo em grande. A nova Lei do Financiamento dos Partidos determina (sim, determina porque já foi aprovada na Assembleia da República em Novembro e promulgada pelo senhor Presidente da República) que as multas instauradas pelo Tribunal Constitucional (TC) aos dirigentes partidários prevaricadores possam ser inscritas como despesas nas declarações de rendimentos.
Admito que, desta vez, não segui os habituais passos. Na verdade, até encarei a notícia como uma verdadeira revolução fiscal. O Estado, na tentativa de fazer os cidadãos pagar alegremente as suas coimas, engendrou um esquema fabuloso de dar a possibilidade aos contribuintes de poderem deduzir os castigos financeiros em sede de IRS. Só podia ser assim. Afinal, que direitos têm a mais os dirigentes partidários do que eu? Imaginei a correr-me alegremente (tipo a descer a colina como na Música no Coração, a cantarolar) ao multibanco para pagar a minha dívida à EMEL, pedindo o recibo para guardar na pasta dos documentos a apresentar às Finanças.
Pensei que para o Estado, todos os cidadãos fossem iguais. Afinal, não. Os benefícios fiscais das multas são exclusivo dos dirigentes partidários. Lamentei, pela primeira vez, não ter feito uma lista para a Associação de Estudantes do meu liceu e ter seguido a carreira político-partidária.
Olhei, então, a notícia, de outra perspectiva. Provavelmente, a correcta e percebi que a revolução fiscal, afinal pode ser uma espécie de Baía dos Porcos: uma tentativa contra-revolucionária que pode correr mal. Muito mal.

Do que se escreveu na imprensa (pelo menos do que li), destaco a beleza do título do Público: "O chefe prevarica, o partido paga, o Estado devolve". Em causa parece estar a questão da responsabilidade individual, uma vez que o PCP foi multado relativo ao ano de 2005 em 30 mil euros, quando os comunistas pensavam que seria apenas de 3 mil. As contas do TC foram outras: 3 mil, sim, mas por cada um dos dez elementos do secretariado do partido. Como dar a volta a isto? Desconto fiscal.
O mais curioso é que a Assembleia da República legislou precisamente em sentido oposto à jurisprudência criada pelo órgão máximo jurídico do país. Mais curioso ainda foi o facto da lei não ter levantado dúvidas ao Presidente da República, que a promulgou. Tudo bem, portanto.
Finalmente, abanei a cabeça. João Cravinho não abanou e disse que não há palavras para descrever o escândalo.
Pergunto-me se não foi por situações parecidas que Luís XVI perdeu cabeça. Ao contrário do que dizia Luiz XIV, 'L'Etat n'est pas vous, monsieurs'

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