Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

31 da Sarrafada

31 da Sarrafada

11
Nov10

Liga Europa: Pornografia económico-financeira

Pedro Figueiredo

 

 

Quando eu andava a estudar e fazia parte da redacção do Jornal Universitário, houve uma camarada minha que tinha para fazer um trabalho para a última página sobre um simpósio de astronomia promovido pela universidade. Uma daquelas iniciativas que tínhamos mesmo que cobrir, para garantirmos a continuidade dos apoios (leia-se verbas!) dados pela reitoria. O problema é que o assunto era uma tremenda seca, ninguém ia ler, e era logo para a última página que, ao contrário do que o comum dos leitores pode pensar, é a mais nobre num jornal... a seguir à primeira, claro!

 

O assunto foi discutido entre todos, mas não havia volta a dar. A malta universitária tinha mesmo que levar com aquela 'encomenda' e na última página. Recordo que a tiragem do jornal, na altura, fazia corar de vergonha muitos diários de hoje. Mas em frente. A Paula, aluna de Psicologia e responsável pela reportagem, tranquilizou-nos de uma forma desconcertante. «Não se preocupem que eu tenho uma solução». Ficámos de pé atrás. Porém, demos o benefício da dúvida. Na verdade, a reportagem foi bastante comentada e grande parte do universo estudantil a leu, ou pelo menos o primeiro parágrafo. A foto era uma constelação de estrelas e o título era «Sexo, sexo, sexo». Assim mesmo. Três vezes a palavra sexo. Depois começava: «Agora que já despertámos a tua atenção, teve lugar no auditório o simpósio de astronomia...» e por aí fora.

 

O título deste post não utiliza a mesma técnica (nota do editor: mas a imagem sim), até porque aquilo a que assisti no programa Negócios da Semana da semana passada não é mais do que a revelação de uma autêntica pornografia económico-financeira no que diz respeito às tão faladas (má fama e, pelo vistos, péssimo proveito para o Estado, logo para os contribuintes portugueses) parcerias público-privadas. Os convidados foram Carlos Moreno (juiz do Tribunal de Contas) e Ventura Leite (economista ligado ao Partido Socialista).

 

O rumo da conversa chegou a um tal ponto que a certa altura José Gomes Ferreira (jornalista) diz o seguinte a Ventura Leite: «O senhor, que é socialista, diz isso do governo socialista?» Ao que o economista responde: «É evidente. Antes de ser socialista sou patriota e português e foi assim que me comportei no parlamento. O actual governo não tem condições para gerir o país neste momento difícil da pátria». Aqui sim, meu caros, o programa cativou-me. Percebi que Sócrates só pode mesmo ser de direita, porque se tivesse ao menos uma costela de esquerda, este Ventura Leite tinha o mesmo fim que o 'renovador' Carlos Brito teve no PCP. Fiquei para ver o que viria a seguir, pois a coisa prometia. Até pensei na nossa sarrafeira Catarina Campos e nas suas magníficas crónicas do mundo financeiro público e privado trocado por miúdos.

 

O melhor estava para vir. As cenas picantes da pornografia vieram logo a seguir. Denunciou o indignado Ventura Leite: «É preciso dizer aos accionistas das grandes empresas que este esforço que está a ser pedido aos portugueses tem de ser repartido por todos. Não é admisível que a EDP tenha uma cláusula de garantia de lucros aos seus accionistas no caso dos consmidores reduzirem o consumo para se defenderem da crise. Há uma cláusula que permite aumentar o tarifário que permite compensar os accionsitas dessas perdas. Isto é uma coisa absurda». Neste momento fiquei sério. Pensei: «Alto lá e pára o baile. Então se todos os meus vizinhos gastarem menos electricidade para poupar dinheiro na factura, a EDP pode aumentar o tarifário (que também me afecta a mim) só para recuperar as perdas de receita dos accionistas? Mas desde quando é que existem no mundo negócios com lucros garantidos? Pelos vistos, a electricidade passou a ser um refrigerante, que a malta pode cortar em casa e viver sem ela e eu ainda não dei conta disso...». José Gomes Ferreira nem sabia dessa cláusula e até perguntou duas vezes como é que a coisa funcionava mesmo...

 

Mas o hard-core de 3.º escalão não demorou. Desta vez pela boca de Carlos Moreno: «É claro que é possível renegociar [as parcerias público-privadas], mas é necessário e urgente parar. É que há concessões neste preciso momento a renegociar para que seja aumentado, mesmo com esta crise, o volume de negócio. Há concessões com portagens reais que estão a ter prejuízos e estão a renegociar para passarem a ser subconcessionárias das Estradas de Portugal, que passará a receber as portagens e depois, por sua vez, pagará uma renda fixa próxima das revisões optimistas pela disponibilidade e pelo serviço. Estou a falar, por exemplo, da Douro Litoral e da Litoral Centro». Nova paragem cerebral. Minha, claro. «Alto lá outra vez! Então o sector privado entra num negócio, a coisa corre mal, passa o prejuízo para o Estado, mas assegura-se que mantém a sua rendazinha fixa, como se aquilo desse lucro?» Lembrou José Gomes Ferreira e muito bem «Então, o que é feito do risco?»

 

Não há risco nenhum, meus caros. O povo paga. Não passa nas auto-estradas? Não tem mal, paga indirectamente nos impostos, como se lá passasse e está tudo feito.

 

Olha, aumenta-se o IVA do leite 'achocolatado', parafraseando Assunção Cristas. «Mas isso pode ser impedido?», perguntou José Gomes Ferreira. «Eu sozinho não posso, mas todos juntos podemos», respondeu Carlos Moreno.

 

Pronto, está aberto o caminho para uma nova revolução, pensei. Afinal, o Tridente ainda vai fazer jeito. Só espero que, desta vez, usem cravos, mas de ferro, para selar os contentores que se usem para enviar para o exílio os actores deste filme pornográfico. Pode ser que a excitação, um dia destes, acabe...

 

Imagem por Lucky Girl Lefty via Flickr sob uma licença Creative Commons

21
Abr10

Salazar, Salazar, Salazar! (ou como oitenta anos depois, os remédios não mudaram)

Mr. Steed

 

"O novo ministro reorganizou as finanças públicas recorrendo ao aumento dos impostos, para aumentar as receitas e reduzindo sobretudo os gastos com a saúde, a educação e os salários dos funcionários públicos, para diminuir as despesas".

 


(excerto referente a "Salazar e o Estado Novo" retirado do Manual do 6º ano de História e Geografia de Portugal da Texto Editores da autoria de Ana Oliveira, Arlinda Rodrigues e Francisco Cantanhede, pp.26)

 

 

Com a devida vénia à Sandra Mestre Cunha, pela sagacidade e espírito crítico.

 


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2011
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2010
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2009
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D