30
Dez10
Liga Europa: Baía dos Porcos fiscal
Pedro Figueiredo
Às vezes há coisas que vejo e ouço que não acredito. Depois, custa-me a acreditar. Numa fase seguinte acredito, mas fico de boca aberta. A seguir fecho-a e abano a cabeça, lembrando-me que isto é Portugal. Pensamos muito frequentemente que já não podemos bater mais no fundo, mas esse é um sentimento perigoso pois há sempre alguma coisa a acontecer a seguir que faz parecer com que o poço não tem fim.
Aconteceu-me o mesmo há uns anos, quando a Polícia Judiciária teve acesso à lista de financiadores do CDS, na tentativa de perceberem quem tinha doado cerca de um milhão de euros para os quais havia facturas falsas. Um dos nomes que lá constava era um tal de Jacinto Leite Capelo Rego (tentem dizer o nome deste senhor com sotaque brasileiro. Pelo menos, era assim que a malta se ria nos meus tempos de liceu)!
Depois de ter passado por todas as fases que anteriormente referi, pensei: «Perdeu-se a vergonha!». No entanto, num esforço de memória, foi-me difícil encontrar exemplos em quem alguma vez a tivesse havido. E lembrei-me de José Gomes Ferreira: "Proibida a entrada a quem não andar espantado de existir".
Desta vez, fechamos o ano legislativo em grande. A nova Lei do Financiamento dos Partidos determina (sim, determina porque já foi aprovada na Assembleia da República em Novembro e promulgada pelo senhor Presidente da República) que as multas instauradas pelo Tribunal Constitucional (TC) aos dirigentes partidários prevaricadores possam ser inscritas como despesas nas declarações de rendimentos.
Admito que, desta vez, não segui os habituais passos. Na verdade, até encarei a notícia como uma verdadeira revolução fiscal. O Estado, na tentativa de fazer os cidadãos pagar alegremente as suas coimas, engendrou um esquema fabuloso de dar a possibilidade aos contribuintes de poderem deduzir os castigos financeiros em sede de IRS. Só podia ser assim. Afinal, que direitos têm a mais os dirigentes partidários do que eu? Imaginei a correr-me alegremente (tipo a descer a colina como na Música no Coração, a cantarolar) ao multibanco para pagar a minha dívida à EMEL, pedindo o recibo para guardar na pasta dos documentos a apresentar às Finanças.
Pensei que para o Estado, todos os cidadãos fossem iguais. Afinal, não. Os benefícios fiscais das multas são exclusivo dos dirigentes partidários. Lamentei, pela primeira vez, não ter feito uma lista para a Associação de Estudantes do meu liceu e ter seguido a carreira político-partidária.
Olhei, então, a notícia, de outra perspectiva. Provavelmente, a correcta e percebi que a revolução fiscal, afinal pode ser uma espécie de Baía dos Porcos: uma tentativa contra-revolucionária que pode correr mal. Muito mal.
Do que se escreveu na imprensa (pelo menos do que li), destaco a beleza do título do Público: "O chefe prevarica, o partido paga, o Estado devolve". Em causa parece estar a questão da responsabilidade individual, uma vez que o PCP foi multado relativo ao ano de 2005 em 30 mil euros, quando os comunistas pensavam que seria apenas de 3 mil. As contas do TC foram outras: 3 mil, sim, mas por cada um dos dez elementos do secretariado do partido. Como dar a volta a isto? Desconto fiscal.
O mais curioso é que a Assembleia da República legislou precisamente em sentido oposto à jurisprudência criada pelo órgão máximo jurídico do país. Mais curioso ainda foi o facto da lei não ter levantado dúvidas ao Presidente da República, que a promulgou. Tudo bem, portanto.
Finalmente, abanei a cabeça. João Cravinho não abanou e disse que não há palavras para descrever o escândalo.
Pergunto-me se não foi por situações parecidas que Luís XVI perdeu cabeça. Ao contrário do que dizia Luiz XIV, 'L'Etat n'est pas vous, monsieurs'