Liga Europa: Little brother is watching for you
Achei que não voltaria a falar da WikiLeaks, mas parece que o tópico veio para ficar. Ainda para mais agora que as revelações que afectam Portugal começam a ganhar o interesse da imprensa nacional. Mas nem é por isso que o assunto merece um novo olhar. É que já vi muitas comparações do caso à famosa expressão orwelliana e isso fez-me reler o Mil Novecentos e Oitenta e Quatro para tentar perceber se havia, ou não, uma certa inversão de conceitos.
Entendo que seja fácil colar um selo de Big Brother ao que a WikiLeaks anda a fazer. Já nem os Estados conseguem guardar segredo das suas actividades, mas ainda bem que assim é. Sobretudo quando essas actividades podem correr o risco de não ser do agrado da opinião pública. Afinal, quantos norte-americanos terão gostado de ver as imagens captadas a partir do helicóptero que disparou indiscriminadamente sobre civis no Iraque, onde estavam inclusive dois jornalistas da Reuters, e que provocou 29 vítimas mortais? Será que os portugueses gostaram de saber que o Governo, afinal, havia sido informado antecipadamente dos voos da CIA, quando tinham dito precisamente o contrário?
Na obra de Orwell, o Big Brother era o Estado (Partido, no livro) e não os Proles (povo). Aliás, destaco uma passagem curiosa, numa das introspecções de Winston Smith, a personagem principal: «O Partido dizia às pessoas para rejeitarem a evidência dos seus olhos e dos seus ouvidos». O facto de não se rejeitar essas evidências (às vezes não tão evidentes como isso) não tem de fazer das pessoas uns crime-pensantes (outro termo do livro). Aliás, o maior crime da sociedade de hoje é, precisamente, não pensar. As revelações feitas pela WikiLeaks, por mais violadoras dos segredos de Estado que possam ser, nunca poderão ser consideradas como um Big Brother is Watching You. Quanto muito, serão um Little Brother is Watching FOR You. No fundo, dão a oportunidade a qualquer um de saber a verdade e fazer os seus próprios julgamentos e fundamentar a sua opinião.
É curioso que ainda esta semana, numa reposição das conferências TED na Sic Radical, vi uma apresentação sobre a importância das cores, mas cujo princípio era válido, segundo o próprio orador, para tudo na vida. «A informação, por si só, é irrelevante. Importante é o que fazemos com ela». Neste particular argumento, o chamado mainstream media mundial está a amplificar da melhor maneira as revelações feitas pela WikiLeaks. Ao contrário do que disse Emídio Rangel, não creio que cinco dos principais títulos mundiais (The New York Times, The Guardian, Le Monde, El Pais e Der Spiegel) estejam a prestar um mau serviço à Democracia ao associarem-se às revelações. Pelo contrário. No final terá de prevalecer o princípio da verdade, doa a quem doer. E a avaliar pelas reacções um pouco por todo o Mundo, as informações tornadas públicas tem doído a muita gente.
Não me parece que a WikiLeaks também se assuma como uma espécie de Ministério da Verdade (outra referência na obra de Orwell ligada ao Partido, parábola aos departamentos de propaganda dos regimes totalitários). São apenas factos. Indesmentíveis. Pode até, como afirmou recentemente o nosso Presidente da República, tratar-se de telegramas de embaixadores muitas vezes com mensagens para agradar ao patrão. Mas o que me parece é que o Big Brother, o verdadeiro, está a ruir à conta do seu próprio princípio: nada está a salvo de se tornar público. Sobretudo se for mentira ou seja, simplesmente, uma verdade escondida.
Imagem: "Big Brother is Watching You, Bitch" Some rights reserved by titlap