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31 da Sarrafada

31 da Sarrafada

14
Out10

Guest Post: "Por estas e por outras" por João Pedro Graça (@apdeites)

31 da Sarrafada

 

 

 

 

 

(Snapshot de 2 ajustes directos que foram retirados do BASE a 13.10.2010)

 

 

O grande "hype" inicial foi em princípios do ano passado. Na semana de 10 a 17 de Janeiro de 2009, não deve ter havido um único órgão de comunicação social que tenha ignorado o assunto, a começar por aquilo que mais chamou a atenção geral: uma fotocopiadora por mais de 6,5 milhões de Euros para a Câmara Municipal de Beja.

Esta e outras espantosas "aquisições" espalharam-se rapidamente pela "blogosfera"; já no dia 13 desse mês, a multimilionária engenhoca bejense era referida, por exemplo, no blog O Insurgente, o qual, por sua vez, referia como fonte um outro blog, com o sugestivo e apropriado nome de "Tirem-me Daqui!".

 

No dia seguinte, 14, já muitas outras verdadeiras pérolas tinham sido descobertas por diversos bloggers, como a "recuperação de um lago existente" adjudicada a uma empresa de materiais de escritório (no blog Blasfémias), um ligeiro de mercadorias pela módica quantia de 1.236.000,00 (verdadeira pechincha, referida no Apdeites) ou os «600 mil Euros para o vinho e quase 150 mil para reparar uma porta» que o blog Bitaites descobriu.

 

Um pouco por todo o lado, em blogs às centenas, nos jornais e nos noticiários, foram surgindo vertiginosamente casos cada vez mais escandalosos de gastos faustosos, alguns deles tão absurdos que depressa se começou a suspeitar ou da fiabilidade dos dados ou do algoritmo de pesquisa que permitia obter tão extraordinários resultados. Ora, os dados provinham todos de um site governamental, o BASE, onde se encontram os "ajustes directos" contratados pela Administração Pública, e a pesquisa era efectuada por um "site" externo, tendo o "motor de busca" sido desenvolvido por uma organização independente, a ANSOL.

 

A iniciativa de criar a rotina de pesquisa surgiu, por parte da ANSOL, porque o site governamental BASE não tinha, naquele tempo, qualquer ferramenta de busca. Como é evidente, a rotina de pesquisa estava correcta, pelo que todas aquelas milionárias adjudicações só poderiam resultar de... erros de digitação!

 

Bastou, aliás, criar uma rotina de pesquisa Google para comprovar a evidência: uma pesquisa não inventa dados, apenas mostra resultados dos dados pesquisados. A necessidade deste simples exercício de tautologia nunca deveria ter surgido, é claro, mas à época não foram poucas as vozes que levantaram suspeições sobre o rigor das pesquisas e sobre as intenções de quem as fazia.

 

Exactamente o mesmo que sucede agora, mais de um ano e meio depois e ao fim de longos meses de um ensurdecedor silêncio sobre a "transparência na Administração Pública" e os escândalos sucessivos dos chamados "ajustes directos".

 

Logo a seguir ao estalar daquela primeira "bronca", repita-se, em Janeiro de 2009, o site governamental esteve encerrado durante semanas (ou meses) para, segundo foi garantido por responsáveis, se "corrigirem" os tais "erros de digitação". E nunca mais ninguém tocou no assunto, daí em diante. Até que...

 

Até que, no passado dia 3, o blog 31 da Sarrafada - a propósito das medidas de austeridade leonina previstas pelo PEC III - descobriu novas e rebrilhantes pérolas no mesmíssimo site do Governo, o agora renovado e supostamente "corrigido" BASE; ainda para mais sabendo que, depois da dita "remodelação" de 2009, agora aquilo até já tem rotinas de consulta e pesquisa próprias e tudo, nem é preciso usar qualquer outra ferramenta (mas nunca fiando).

 

E o que se passou em 2009 repetiu-se exactamente da mesma forma: novas e cada vez mais inacreditáveis adjudicações foram descobertas e denunciadas no Twitter, no Facebook, nos blogs e, por fim, nos jornais, nas estações de rádio e em todos os canais de televisão. O blog 31 da Sarrafada elaborou uma cronologia desta mais recente vaga de escândalos.

 

Claro que os argumentos contra todas estas pesquisas e, principalmente, contra os seus autores, repetem-se agora também da mesma forma, um verdadeiro decalque do sucedido há 19 meses; o contra-ataque dos defensores do indefensável aí está de novo em toda a sua pujança assanhada, com a mesma violência verbal e com as mesmas suspeições, em suma, levantadas contra quem se atreve a exercer os seus direitos e - principalmente - os seus deveres de cidadania.

 

Que são erros de digitação, dizem eles, os indefectíveis do indefensável. Mas... outra vez?Se aquilo não passa de um poço sem fundo, se contém milhares de "erros" e só meia dúzia de coisas correctas, para que diabo serve?

 

Dizem eles que isto é uma "campanha negra" contra o Governo e, em especial, contra José Sócrates, o seu idolatrado anjo, impoluto e virginal. Mas... o que tem Sócrates a ver, por exemplo, com a adjudicação de uma campanha publicitária ao Futebol Clube do Porto por parte da Câmara Municipal de Matosinhos?

 

Que já estão a corrigir aquilo, dizem eles. Mas... corrigir é o mesmo que apagar? Se havia erros, porque retiraram, esconderam, escamotearam apenas, cirurgicamente, alguns dos mais escandalosos casos denunciados pela opinião pública*?

 

Pois bem, assim sendo, agora dizemos nós: todos os cidadãos portugueses têm o direito e o dever de escrutinar a política e os políticos do seu país.

E ainda mais dizemos, nós outros: podem espernear, barafustar e até espumar de raiva; lá nisso, estejam absolutamente à vontade; enquanto o país Portugal não for declarado oficialmente como uma verdadeira República das Bananas, cá estaremos, nós outros, para travar o passo a qualquer espécie de abuso, de qualquer prepotência, de qualquer opulência ou, simplesmente, de qualquer vigarice que faça qualquer político ou governante, da esquerda, da direita ou do centro.

 

Bem, se calhar é abusivo usar nisto aquele pronome, o "nós" que a tantos compromete. Pois. Pensando melhor, falo apenas por mim próprio.

Digo eu, por conseguinte.

 

João Pedro Graça


* O primeiro órgão de comunicação a denunciar os "apagões" na base-de-dados oficial terá sido o Diário dos Açores.

A RTP, entre outros canais que não estiveram pelos ajustes, noticiou o "desaparecimento" de adjudicações.

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