Liga Europa: Todos para Erasmus, já!
Uma das coisas mais extraordinárias em Portugal é a quantidade de comentadores que aparecem em todos os meios de comunicação. Aliás, não é à toa que os programas de participação directa nas rádios e nas televisões têm tanto sucesso. Não há nenhum fórum em que não fiquem participantes de fora pelas próprias obrigações de emissão. Todos têm sempre alguma coisa a dizer. É bom. Somos feitos de uma massa crítica e, afinal, como se fartam de dizer os políticos num tom entre o cínico e o orgulhoso, foi essa uma das grandes conquistas de Abril. No entanto, parece-me que aqui se aplica bem o velho ditado popular de que 'em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão'.
Ninguém é um exagero. Alguém haverá de ter um fundo de verdade no que diz, até porque isto também não é um país de mentecaptos. Bem pelo contrário. Há gente de grande valor e arrisco-me a dizer que são a esmagadora maioria. Se assim não fosse, porque têm os portugueses tanto sucesso quando vão para o estrangeiro, nem que seja para desempenhar funções de empregados de limpeza. Nunca encarei o facto de os portugueses serem trabalhadores apreciados no estrangeiro como um mito urbano. Tirando raras excepções, porque as há em todo o lado, a verdade é que sempre ouvi reconhecer as qualidades profissionais dos portugueses lá fora, independentemente das funções que possam exercer, desde o mais simples humilde empregado da construção civil ao mais qualificado economista, como é caso de Horta Osório. Não creio que que os ingleses estejam de acordo em pagar-lhe um ordenado à Cristiano Ronaldo, só pelo seu ar de manequim da Hugo Boss.
Muitas das vezes, quando deixamos os nossos filhos em casa de amigos, desdobramo-nos em recomendações, ainda no carro, antes de os deixar em casa de estranhos, a principal para que se portem bem e para que não façam asneiras. No fundo, para que não nos deixem ficar mal. Fica-se sempre com o coração nas mãos. Sabe-se lá o que farão, já que em casa temos maneira de controlar a situação de outra forma. O espanto aparece quando os vamos buscar. Correu tudo lindamente e regressamos a casa com o orgulho de outros pais acharem que temos uns anjinhos em casa. Quem tem filhos pequenos, reconhece esta história.
Voltemos, pois, a saltar para a dimensão nacional. A questão que se coloca é simples: se somos assim tão bons, porque não o somos dentro de casa? Porque é precisamente dentro de casa que sentimos o à-vontade de sermos precisamente quem somos. Não precisamos de fingir que somos bem comportados e só quando temos um pai ou uma mãe de regras rígidas e inflexíveis a toda a linha é que percebemos que nem dentro de casa podemos vacilar. É por isso que não me espanta o facto de haver, ainda, quem tenha saudades da ditadura, onde nem dentro de casa havia hipótese de sermos quem somos. É talvez por isso que a saudade seja considerada um sentimento tão português. Pudera, lá fora não é a mesma coisa que cá dentro. É como se o nosso país representasse a eterna juventude, os tempos em que se podia fazer tudo e tudo era justificado pela tenra idade...
Não me parece viável pedir a governantes escandinavos que venham fazer uma perninha aqui ao Sul da Europa, porque a população continuaria a sentir-se em casa e os resultados não seriam os melhores. Também não pedimos aos pais de nenhum dos amigos dos nossos filhos que venham lá a casa ficar umas noites para tomar conta da criançada. Voltar à ditadura, então, está completamente fora de hipótese (agora digo eu, foi para isso que serviu o 25 de Abril!). Logo, a solução mesmo é colocarmos o povo a fazer um Erasmus de cidadania no estrangeiro. Tenho a certeza que a União Europeia concordaria, apoiando como um projecto de verdadeira integração. Para aprendermos a ser bons cidadãos lá fora. Porque isto de criticar só os governos também tem muito que se lhe diga. É que parece-me que a nossa classe política é apenas um reflexo do país que somos.
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