Marsans, mentes insanas
A vida tem coincidências engraçadas. O meu segundo emprego foi na Marsans Lusitana, a mesma que anda agora nas notícias. Como era a realidade da Marsans há vinte anos? Nos três que já passei, todos os meses era desta que não recebíamos, era desta que fechava... todos os meses "os espanhóis" - a casa Marsans mãe que só na aparência e forma jurídica não era (é) a mesma (dá jeito) - fazia a transferência bancária milagrosa de Palma de Maiorca para Lisboa.
Esta Marsans que nunca superou o impacto do crescimento da sua quase-filha e parceira Pullmantur e o surgimento da Halcon a tomar o domínio do mercado retalhista, continuou a viver, à semelhança de ou suportada em uma economia especulativa, numa falsa bolha de sustentabilidade. Que começou a ruir quando a sua companhia aérea perdeu a licença de voo, a que se seguiu - e segue - um rocambolesco número de alvarás retirados pelas autoridades espanholas de turismo, o manter de portas abertas, o operar ilegalmente, um processo de falência (em curso).
É aqui que a porca torce o paço, que eu fico com a pulga atrás da orelha, que não bate a bota com a perdigota e mais outros lugares comuns que agora não me ocorrem. A ver se eu percebo: uma empresa que em Espanha opera ilegalmente desrespeitando as autoridades nacionais, que está em processo de falência, que opera também em Portugal - é verdade que Marsans, S.A. não é igual a Marsans Lusitana, Lda. mas a semelhança, o logo igual, é capaz de dar para perceber que se trata da mesma empresa - sob a chancela Auchan (de cujo nome ou co-responsabilidade nem se ouve falar quando nas lojas está escrito Viagens Auchan by Marsans) não desperta a curiosidade de ninguém, entre APAVT que até tem um Provedor e tudo, Turismo de Portugal, Ministério do... não há pois não? pronto, Secretaria de Estado do Turismo (ainda há?), outros operadores e retalhistas concorrentes... ninguém? Ninguém pensou "humm (o humm é opcional), tu queres ver que a Marsans que perdeu a licença de voo, os alvarás de mayorista e minorista, que está em processo de falência, que tem o mesmo nome e logótipo da Marsans que opera em Portugal pode vir a dar chatice?"... Não? Ninguém?
Não, claro que não! Claro que como sempre, ninguém é ou se sente responsável, nem por ter baixado o valor das cauções de vinte mil contos (já foi o valor obrigatório e a Marsans já teve esse valor depositado na antiga DGT) para ridículos dois mil e quinhentos euros, nem por ter permitido que uma empresa falida em Espanha (e que se deu ao luxo de não acatar ordens do organismos governamentais e continuar a operar ilegalmente, mas parece que isso de "respeitar mas não acatar" ordens está na moda) continuasse a operar em Portugal sem ser pelo menos fiscalizada e/ou auditada. Nada. A culpa é dos espanhóis, claro. E com sorte ainda um bocadinho do Queiroz.