A seriedade sai cara, mas é a falta dela que nos leva à falência...
Fotografia: Paulo Henriques
O assunto do dia foi a decisão, por parte da Assembleia da República, de dar provimento ao pedido de remuneração das deslocações semanais, da deputada Inês de Medeiros, à sua residência, em Paris. Bloco e PSD votaram contra; CDS absteve-se e PCP faltou (conveniente e incompreensivelmente) à votação; PS votou a favor aprovando,com o voto de qualidade de José Lello, a pretensão da deputada. Num momento em que, tanto os economistas de renome, como o senhor Manel taxista, deitam as mão à cabeça (e à carteira), a congeminar planos para que o país não mergulhe de vez na bancarrota, o assunto tinha, necessariamente, de gerar polémica. A despesa é exorbitante e, num momento em que o país conta os cêntimos, o valor em causa roça a imoralidade.
Nas redes sociais - esse antro de perdição onde,qualquer um ainda pode, hoje, opinar em liberdade - foram imediatas e inúmeras as vozes que se levantaram contra esta decisão. A minha foi uma delas. Criei, inclusive, através do @31daSarrafada, o grupo de Facebook "Operação Braço no Ar" na convicção de que, independentemente de opções partidárias, os cidadãos devem unir-se na defesa de convicções cívicas.
Dentre as várias opiniões que foram surgindo, uma das que se salientou foi a do deputado do PCP António Filipe, no post "A seriedade sai cara" no seu blog Caderno de Apontamentos. Li atentamente o post, mas fui imediatamente assaltada por esse vício maldito da dúvida, que tantos dissabores me tem causado. A fazer fé nas declarações de António Filipe (que aqui tomo por verdadeiras) a candidata Inês de Medeiros manteve a sua residência em Paris, onde se encontra recenseada tendo, no entanto, sido eleita pelo círculo de Lisboa. Não estou certa de que a legislação em vigor obrigue o candidato à Assembleia da República a ser residente e recenseado na área geográfica do círculo pelo qual pretende ser eleito. Penso que não. A consulta da Lei Eleitoral da Assembleia da República também não foi esclarecedora. Contudo, penso que seria do mais elementar bom senso que quem se propõe pugnar, na "Casa da Democracia" pelo povo de uma Nação fosse, no mínimo... residente nessa Nação! Acresce a ironia de, através deste episódio, termos tomado conhecimento de que Inês de Medeiros não votou na lista que integrou. Não estaria suficientemente convicta da sua opção ou o dever cívico de votar afinal tem preço?
Exactamente por tratar-se de uma situação tão "atípica", os Princípios Gerais de Atribuição de Despesas de Transporte e Alojamentoe de Ajudas de Custo aos Deputados também não a têm prevista. Talvez porque esta "ideia peregrina" não passe pela cabeça de ninguém. E por isso houve necessidade de resolvê-la casuisticamente. Durante 5 meses, todos quiseram "chutar" para canto. Mas agora, que Inês de Medeiros é deputada da Nação Portuguesa residente em Paris, resta apenas o "controlo de danos". E a solução encontrada foi a de amalgamar os números 3, 4 e 5 do artigo 1º dos Princípios Gerais e colocar a actriz/deputada num limbo, entre "o nada" e "o coisa nenhuma". Nem França é uma Região Autónoma de Portugal, nem Paris é Badajoz, nem Inês foi eleita pelo círculo da Europa (e será que não podia ter sido?) Por isso, para que conste, a decisão hoje tomada é "filha única" e não faz jurisprudência. O que, em meu entender, configura uma admissão envergonhada do erro.
Em conclusão, fica-me uma certeza: a de que os eleitores foram enganados. Ou hoje, ou no dia das eleições. E por isso, respeito a opinião de António Filipe, mas não posso concordar com ela. Nalgum ponto do processo, houve uma falta de seriedade que sairá cara ao povo português. E isso não é nada edificante para a "Casa da Democracia"...